domingo, 16 de maio de 2021

 Simplicidade.

Se a criança acordou dorme, dorme filhinho, tudo calmo ficou, mamãe tem Auris-Sedina dorme, dorme, filhinho com Auris-Sedina!
E assim eram feitas as propagandas de remédio pra dor de ouvido.
Estava num almoço domingueiro lá em minha filha e Tadeu vendo que a Cholinha dela estava coçando o ouvido que também estava inflamado, foi a farmácia e voltou com esse remédio, ai me lembrei da música e da propaganda.
Cholinha eram como se chamava os cachorros lá em Itaobim. Não sei bem de onde veio esse nome, mas isso me faz lembrar uma amiga, que chegando aqui em BH, vendo uma cachorrinha cheia de pose e raça foi logo chamando: “vem cá cholinha”, e a dona muito chique, se achou indignada e dissertou sobre a raça, pedigree, nome e preço...
Minha amiga, que daquilo nada entendia, na saída afagou a cholinha e feliz da vida em sua simplicidade, foi embora!
Mas é isso, querer impor um saber a quem não se preocupa com ele, chega a ser engraçado.
Numa época fui há um sitio de uma amiga, onde ia ter de almoço um bacalhau, e eu resolvi fazer um caruru que é uma comida deliciosa, típica da Bahia, pois além de muitas especiarias, a base é camarão e quiabo.
Todos sabem que quiabo tem baba, mas quem gosta, até esquece esse detalhe, mas pra quem não gosta....
A moça, caseira do sitio, ficou toda satisfeita quando lhe levei o caruru. À noite, toda refestelosa, foi pra lá, sentar na varanda, pra conversar fiado.
E eu toda orgulhosa do meu tempero, que todos haviam apreciado no almoço, puxando assunto, perguntei se tava bom o caruru. Ela, sem papas na língua e nenhum vestígio de boas maneiras foi logo dizendo:
Nossa Senhora! Tava tão babento, que nem os cachorros comeram e eu tive que jogar pros porcos e acho que nem eles gostaram.
Só pensei no trabalho de cortar aquele tanto de ingredientes, no gasto e no gosto tão bom de todas as especiarias e a pessoa jogou pros bichos ...
É, nem todo pitéu tem o mesmo gosto pra todos!
E passamos a noite rindo, contando casos.
Para Júnia Britto e Euna Britto de Oliveira
Vladimir Pola Martins e Flávia Cristina Lana

 Por onde passou o pão que eu comia.

Quando Pôla era pequeno, pedia a ele pra ir comprar pão na padaria, lá em baixo do prédio onde morávamos. Na época não tinha perigo.
Lá no Maleta, onde morávamos, já existiam os bares, que já começavam o dia com os tontos da noite anterior, muitos pareciam ate que moravam nos bares, pois a qualquer hora do dia ou da noite já estavam lá.
Descia Pôla e eu ficava preparando o café. Teve dia que arrumei a cozinha varri a casa e ele nada de trazer o pão.
Um dia resolvi, depois de muita demora, ir atrás, quando cheguei na portaria, olhei pros lados e avistei de longe ele e o pão. A bisnaga era solta no alto da escada rolante e na descida saia do pacote, ele descia correndo a recolocava no saco e subia de novo. Eu fiquei olhando pra ver até onde ia, quando depois de fazer isso umas cinco vezes ele resolveu caçar o caminho de casa ...
As mesas cheias, já que essa farra toda tinha tomado a manhã, ele avistando alguns conhecidos chegava por trás, batia a bisnaga na cabeça do sujeito dando bom dia, batia nas mesas de quem não conhecia, quando deu de olhar pra portaria e me viu, já prevendo uns bons cascudos, foi logo dizendo: “eu tava brincando porque esse pão tá meio murcho...”.
Ai subimos pra casa, eu fula de raiva, lembrando dos pães amassados que todo dia comia, das cabeças daqueles cabeludos que pareciam não ter nenhum asseio, e da escada rolante imunda que subia e descia com todos os porra loucas que freqüentavam o prédio.
A partir dali a ajuda dele foi dispensada.
De outra feita, desço e escuto uma risada dele, olho pros lados e chegando mais perto percebi que era numa livraria em frente a um restaurante. Debaixo da banca de livros, feliz da vida ele lia um livro, que o dono, já amigo dele, deixava. Estava ali passando o tempo, matando aula feliz da vida.
Quando saia à rua, era normal parar na porta do prédio e gritar a plenos pulmões com os soldados montados:
Abaixo Figueiredo!
Filhotes da ditadura !
Um cavalo em cima do outro!
Eles olhavam aquele fiapo gritando impropérios e continuavam impávidos seguindo seu caminho...
Pôla teve uma infância plena, participando de tudo, brincando, criando com tudo e se formando em quem é hoje. Simples, leve e, acima de tudo, resiliente. Brincou com o que tinha, aprendeu com o que lia e se posicionou gritando forte!
Ainda bem que ele só gritava pelo que ouvia, porque se soubesse que anos depois um cavalo sem rédeas, e dando coices, chegaria a presidência do país, o estilingue que ele tinha teria serviço. Aí, nem muitos cascudos frearia a valentia de Pôla!