Por onde passou o pão que eu comia.
Quando Pôla era pequeno, pedia a ele pra ir comprar pão na padaria, lá em baixo do prédio onde morávamos. Na época não tinha perigo.
Lá no Maleta, onde morávamos, já existiam os bares, que já começavam o dia com os tontos da noite anterior, muitos pareciam ate que moravam nos bares, pois a qualquer hora do dia ou da noite já estavam lá.
Descia Pôla e eu ficava preparando o café. Teve dia que arrumei a cozinha varri a casa e ele nada de trazer o pão.
Um dia resolvi, depois de muita demora, ir atrás, quando cheguei na portaria, olhei pros lados e avistei de longe ele e o pão. A bisnaga era solta no alto da escada rolante e na descida saia do pacote, ele descia correndo a recolocava no saco e subia de novo. Eu fiquei olhando pra ver até onde ia, quando depois de fazer isso umas cinco vezes ele resolveu caçar o caminho de casa ...
As mesas cheias, já que essa farra toda tinha tomado a manhã, ele avistando alguns conhecidos chegava por trás, batia a bisnaga na cabeça do sujeito dando bom dia, batia nas mesas de quem não conhecia, quando deu de olhar pra portaria e me viu, já prevendo uns bons cascudos, foi logo dizendo: “eu tava brincando porque esse pão tá meio murcho...”.
Ai subimos pra casa, eu fula de raiva, lembrando dos pães amassados que todo dia comia, das cabeças daqueles cabeludos que pareciam não ter nenhum asseio, e da escada rolante imunda que subia e descia com todos os porra loucas que freqüentavam o prédio.
A partir dali a ajuda dele foi dispensada.
De outra feita, desço e escuto uma risada dele, olho pros lados e chegando mais perto percebi que era numa livraria em frente a um restaurante. Debaixo da banca de livros, feliz da vida ele lia um livro, que o dono, já amigo dele, deixava. Estava ali passando o tempo, matando aula feliz da vida.
Quando saia à rua, era normal parar na porta do prédio e gritar a plenos pulmões com os soldados montados:
Abaixo Figueiredo!
Filhotes da ditadura !
Um cavalo em cima do outro!
Eles olhavam aquele fiapo gritando impropérios e continuavam impávidos seguindo seu caminho...
Pôla teve uma infância plena, participando de tudo, brincando, criando com tudo e se formando em quem é hoje. Simples, leve e, acima de tudo, resiliente. Brincou com o que tinha, aprendeu com o que lia e se posicionou gritando forte!
Ainda bem que ele só gritava pelo que ouvia, porque se soubesse que anos depois um cavalo sem rédeas, e dando coices, chegaria a presidência do país, o estilingue que ele tinha teria serviço. Aí, nem muitos cascudos frearia a valentia de Pôla!
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