Lembranças
Quando
criança, as coisas têm um tamanho e uma importância que só quando crescemos é
que percebemos o quanto tínhamos a mente fértil para lembranças grandiosas. Não
existe pessoa mais bonita e inteligente que sua professora; sua mãe é enorme; seu
pai, um super-homem; sua casa, uma imensidão; o pé de manga e de goiaba que
você sobe então... não tem altura igual! Com o passar dos anos, as coisas mudam
de proporção, é porque nem tudo é tão grande assim. Sua professora não é tão
linda nem tão sábia assim; sua casa parece que diminuiu; sua mãe, que antes te
segurava, agora se apóia em seu braço para ter segurança; seu pai hoje fala
manso e está mais caseiro e devagar; só os pés de manga e goiaba que mesmo
continuando quase do mesmo tamanho, te fazem diminuto, sem acreditar que um dia
você teve a coragem de subir em coisa tão alta.
Foi
pensando nessas coisas, que outro dia eu vi como se transforma uma imagem em uma
grande lembrança de criança.
Fui
a uma festa de interior, numa cidade chamada Ritápolis e lá pude conviver e ver
um povo carinhoso, hospitaleiro e, acima de tudo, devoto do amor de Deus e de
Santa Rita de Cássia.
A
cidade linda, florida e festiva, enfeitada com amor e alegria, trazia também a
folia de seus vendedores ambulantes, de guloseimas e lembrancinhas, que
alegravam os visitantes e, mais ainda, os pequenos, que naqueles dias não
tinham tempo para nada, tantas eram as novidades. Parando numa porta onde
estavam fazendo enfeites, resolvi dar minha contribuição ajudando, ensinando e
aprendendo a fazer enfeites, também entrei nos assuntos da cidade e fiquei
sabendo da capa da Playboy, do rapaz “casador”, e do roubo e devolução de quem
mais interessava ali: Santa Rita de Cássia.
De manhã, a igreja linda e florida, começam as
festividades com o Bispo, do alto de seu poder e fé, e com os devotos velhos,
adultos e crianças, todos irmanados na esperança de bênçãos divinas, enquanto
os entreveros que só quem olha com carinho e curiosidade pode ver.
Algumas crianças, em locais
estratégicos, quase ao pé do santo padre, começaram uma briga de palavras
chulas, empurrões e até socos, o povo olhava para cima, imersos no andamento da
missa, quando no meio da brigas esbarraram no apoio da Bíblia que caiu longe.
Em seguida, outras crianças contritas, balançando o turíbulo, para dar cheiro e
mais pompa, antecedendo o ofertório, os incautos continuavam lá, em tempo de
ter os topetes chamuscados. Mães, se é que tinham, não apareceram em nenhum
momento pra acudir. As beatas mais próximas reclamavam da falta de educação,
mas o Bispo na sua compreensão e bondade, carinhosamente acariciou a cabeça dos
“anjos”, e as beatas só conseguiram uma atenção especial, depois de ter
amargado uma fila. E os meninos, sem preocupar com a importância de tudo, foram
buscar mais o que fazer.
Quando
a noite caiu é que foi a epopéia. Seu Higino, ilustre cidadão de muitas
histórias e vitórias, na arte de fazer mais bonita a festa, com a sua fábrica
de foguetes, rojões e chuvas de prata, deu o toque de sonho na hora de festejar
Santa Rita. Em um quadro que acendia para tudo quanto é lado, com todas as
cores bonitas e brilhantes, parecendo estrelas cadentes, presas de um jeito que
só ele sabe fazer, surgiu o retrato da santa, era mais ou menos da minha
altura, e olha que sou baixinha. Os olhos do seu Higino brilhavam com o feito e
os dos meninos em volta brilhavam mais
ainda. Ele, talvez por estar cumprindo mais uma tarefa, e os meninos por
estarem vendo a coisa mais grandiosa que já viram, pois daqui a alguns anos,
quando tiverem com a minha idade, aquelas imagens, na lembrança, serão maiores
e mais brilhantes que os painéis iluminados da Times Square.
Solange
Mendes Assis
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