Retirantes
Eu na casa da minha nora e ela contando da família da moça
que trabalha pra ela e que veio do norte de minas, se la tem pouca coisa
imagina na roça há duas horas e meia da rodagem!
Lá os meninos não usavam banheiro e sim o mato, não tinham
chuveiro e sim o rio ou a bacia, as roupas lavadas quaravam nas pedras para
ficarem alvas, e a casa era só varrer e
molhar o chão pra assentar a poeira .Carne só de caça ou peixes redados,
pescados e de vez em quando sobrava
dinheiro e da cidade o pai traz um pedacinho de carne de boi, verduras só as
que nascem por ali , maxixe, maxixe fofo, abobora, quiabo, mandioca, frutas só de
época, melancia, mamão, coco, araçá, cana, goiaba, siriguela, jaca, tamarindo, laranja, manga, jambo,
jenipapo e as hortaliças como couve,
coentro, cebolinha verde, alface ...
A vida passava devagar e assim os meninos viam carros poucas
vezes, quando alguém se aventurava a ir por lá o pai chegou perto de um depois catorze pra quinze anos, a mãe só foi
conhecer numa época de campanha, em que um candidato chegou por lá pra pedir voto,
uma coisa que ninguém sabia o que era .
Os pais são analfabetos e os meninos que são quatro, com
idade variando de nove a treze ainda não sabem escrever nem ler
direito.
A mãe, depois da primeira filha, que hoje tem vinte e seis
anos deu uma parada, ai veio essa meninada,
fora os que perdeu antes do tempo.
A viajem pra cá sem piscar o olho um segundo durou treze
horas, como a lua estava cheia, nem
mesmo o ônibus lotado, o banheiro que ardia o nariz de tanto fedor de urina,
nada disso apagou a alegria da aventura de ver passar os matos, as arvores e as luzes das casas nas cidades iluminadas.
Estão meio apavorados, pois segundo uma vizinha que também se aventurou por São
Paulo e voltou pro sossego de lá, na capital
as pessoas vivem presas em casas e
caem morta na luz do dia, por balas que vem não sei de onde, capital é
um perigo só!
Como brasileiro tem coragem, fé e não desiste nunca, cá
estão eles, andam todos de braços dados com a que já mora aqui, olha pra cima o
tempo todo e ficam tontos só de ver as alturas dos prédios, não querem nem
saber de subir em nenhum, falta coragem e pra atravessar as ruas todos
gesticulam e gritam uns com outros, palavras que quem esta do lado não entende,
estão espremidos na casa da filha que tem cinco meninos e o marido e lá são
dois cômodos, as poucas coisa que trouxeram cabem em oito sacolas de
supermercado, já que as panelas de barro e as camas de varas, aqui não teriam
serventia.
O pai, alem de plantar diz saber fazer casas, só que de
enchimento, não dessas dos andaimes, a mulher sabe lavar roupas no rio e fazer
de “ cume “!
Dou um ano, pra estarem todos tocando a vida já em sua
casinha, mesmo que em um bairro distante, os meninos desinibidos com seus tênis
coloridos correndo pelo parque municipal , brincando de escorregar, querendo
pegar os pombos, jogar farelos de pão pros peixes e sonhar...
Um dia um deles já
adulto com a vida estabilizada pelo estudo e trabalho ,vai ouvir uma estória assim e talvez vai colocar no papel como
estou fazendo agora, vai estar tão distante daquela realidade, mas sabe que
assim é a vida real de muita gente que ainda esta lá e um dia quem sabe, chega
por aqui !
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